terça-feira, 21 de abril de 2015

Carta aos Meus Filhos #77

Algumas lições são mais difíceis de aprender do que outras. A mãe julga ter entendido que o nosso propósito na vida é o de aprendermos a caminhar sozinhos, sem necessitarmos uns dos outros. Uma viagem a sós é uma viagem melhor aproveitada, uma que culmina em aprendizagem e conhecimento superiores acerca de si próprio. Mas é uma viagem em que as gargalhadas ecoam no vazio.
Mesmo sabendo que (julgo que) a vida é uma estrada em que devemos aprender a dar passado a passo sozinhos, munidos da nossa própria precaução, soltando as mãos de quem nos ensinou a andar e de quem se riu connosco lá atrás, a mamã não quer dedicar-se a isso. Não quer fechar-se ainda mais sobre ela própria e virar as costas aos outros bichinhos de conta. Durante o ano passado, passei a maior parte do tempo enrolada sobre mim própria, a verter lágrimas de inconformação quanto à efemeridade de todas as coisas e à tragédia dos amores não correspondidos e dos outros, abandonados à sua sorte e nem por isso menos celebrados ou menos chorados.
A lição a) desprender-se dos outros, é uma que me custa especialmente a absorver. A mãe quer acreditar que a vida são dedos entrelaçados, não dos que nos carregam nos joelhos e pescam por nós, mas dos que estão por ali, cá de baixo mas ligados a nós, enquanto escalamos as nossas montanhas pessoais.  E há beleza em tanta coisa… e a beleza, tal como a felicidade, só são reais se forem partilhadas. Agora que a mamã voltou a discernir a beleza das coisas, o novo massacre será o de contemplá-la em paredes desnudas?
A mamã acredita que, na sua vida anterior, fez algo de muito errado. Algo que dedicou a juventude desta vida a expiar. Pergunto-me quando estarão quitadas as dívidas. Quando será o dia de ser feliz, apenas feliz… sem preocupações de que natureza forem. A mamã está bem, mas não deixa de ser a mamã. E a mamã pensa e (logo) quase dexiste.

Palpita-me que está na hora de seguirmos caminhos opostos. A mamã não sabe se consegue. Na verdade: sabe. Ao fundo do corredor, na caixinha à esquerda do amor enterrado, pulverizado pelos anti-depressivos, pulsa o amor não concretizado. Sobre ele um buraco negro se debruça, disposto a engoli-lo à primeira sacudidela, ao primeiro repique de dor. Depois: nada.