Perdoem-me, meus amores, porque é
contra a vossa vida que atento. Mas há dias em que a mamã acha que nada vale a
pena - tudo passa. A felicidade, a dor, a morte. Tudo se encerra e a roda
gigantesca do mundo prossegue. Sabe-se lá o que, de nosso, ficou para trás. O
coração da mamã não quer sofrer mais, mas sabe que há-de sofrer sempre. Hei de
apaixonar-me sempre, hei de abraçar mil e uma causas perdidas. E o miado do
pobre gatinho fica-me nos ouvidos, e as entranhas ardem-me de arrependimento. A
mamã é fraca. A mamã é forte. Tão forte que se mete sempre de pé, e depois
volta a ser derrubada. A mamã ama, deseja, almeja, estende a mão, dá-a à
palmatória, vira o rosto e deixa-se esbofetear de novo. A mamã não aprende.
Nunca vai ser feliz porque é naturalmente insatisfeita. Está-me no ADN. Talvez
quando vocês vierem eu consiga ser feliz nos vossos risos. Talvez aí tenha um
propósito maior. Não quero ser redutora nem dizer que a minha vida é somente o
terreno onde vos cultivo. A mamã é independente (qb) e aventureira (qb) e mesmo
que vocês me exijam os braços, as minhas mãos serão sempre da escrita. Não
planeio planar sobre vocês, mas ter-vos e soprar-vos vida é o que mais almejo.
E depois encerro-me aqui, por entre os sulcos nos olhares de quem os filhos
ignoram e a quem os filhos anteciparam na morte, e parece-me que os passeios
pelos montes e os almoços à beira rio são uma vida vazia de sentido, um modo de
queimar tempo até ao esgotar do dito. Hoje entrei meio de rompante na casa de
uma senhora, surpreendi-a num choro silencioso. Afaguei-lhe o rosto e quanto
mais o meu polegar lhe dançava nas lágrimas, mais ela sorria e fingia não
chorar. Ai, os troçolhos. Ai, os pólens. Isto das alergias é tramado. Ai
espalhei o creme nas pernas e levei as mãos à vista. E eu a desenhar-lhe a
tristeza com os dedos na feição sorridente, e os olhos que fogem dos meus
porque a alma não mente.
Morreu-lhe o filho, sabe-se lá há
quantas décadas. E aquele a quem morreu um filho tem sempre motivo para chorar,
não é preciso vir o polén nem a conjuntivite.
Um beijo no rosto e deixo-a no seu
desalento. O dela é incompreensível, o meu é de cagarola. De pessoa que receia
que a felicidade nunca a encontre e que, não me vindo filhos, não me venha
também tristeza e que o meu choro seja sempre estéril de motivo. E que nunca os
polegares de ninguém tracem as minhas lágrimas ocas, e que o meu pranto ecoe sempre
na incompreensão de quem me acha de costas voltadas para o riso fácil.
A mamã tem um feitio do caraças: que
venha espírito que me dobre e que me vença o alento de não me deixar sucumbir a
um contentamento maior. Que estilhace o muro da minha certeza de que os dias
não farão sentido, prove-me errada e leve este nada de que me embriago a todas
as horas.