quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Carta aos meus filhos #87

A mamã está a trabalhar como louca. Não tem dois minutos parada. Trabalha a tempo inteiro e adora o que faz. Depois vai para casa escrever. Ou pesquisar. Ou ler. Ou corrigir livros doutrem. Nunca estou quieta, passo, inclusive, alguns dos meus fins-de-semana com turistas em Lisboa, a calcorrear a calçada portuguesa. No mês que vem vou fazer o meu primeiro tour de sempre… Estou nervosa, sobretudo porque é italiano. Mas consigo. Se não conseguir, tentei. Daqui a dois meses, além disso ainda tenho um Mestrado a decorrer e aulas de inglês a preparar...

A mamã olhou para dentro de si durante dois segundos, só para acariciar esse amor tão tenro que tenho cá dentro. Quem me dera abraçá-lo… Quem me dera beijar-lhe as pálpebras molhadas, encostar o peito ao dele, gelado, e buscar calor na curva do seu ombro. Quem me dera que anoitecesse e eu tivesse a mão dele à distância de um passo e o cantar dos grilos nos embalasse…


Vou trabalhar.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Carta aos meus filhos #86

A mãe morre de amores pelo vosso pai. Pela barba do vosso pai. Pelas mãos permanentemente suadas. Pela voz meio áspera, pelo modo como fecha os olhos quando canta e lhe nasce uma veia na garganta. A mãe adora a cor do cabelo do vosso pai, e uma vez jura que lhe viu um rasgo de mel nas íris castanhas. E o desenho da boca do vosso pai? Juro que nem eu teria sido capaz de desenhar uma harmonia mais perfeita. É tão grande, o vosso pai. Não cabe no peito da mamã nem no universo ao nosso redor. A mamã pôs-se a ouvir uma música que a recordou dele e dos pelos negros da sua barba. O coração incha, como que mergulhado num melaço impossível de remover. As gavetas abrem-se e eu amo-o. O mundo acaba e eu amo-o. Porque é que a vida nos condenou a menos? Porque é que o vosso pai não pode ser vosso pai? Era este homem que queria que vos carregasse às cavalitas e vos desse castigos, e vos ensinasse boas maneiras, e vos inscrevesse nas actividades extra-curriculares, e vos protegesse da minha fúria com um sorriso e um piscar de olhos nas minhas costas. A mamã ama o vosso pai mais do que à própria vida (não importa que tenha pouco amor à própria vida, eu amo o vosso pai até ao fim da galáxia e de volta).