domingo, 21 de fevereiro de 2016

Carta aos meus filhos #90

Quando o amor depende do número de gatos

Ontem à noite, a minha avó de 83 anos que está de visita a Portugal disse-me:
- Tens gatos??? Livra-te dos gatos. Dão-te cabo da casa, destroem-te o sofá e os cortinados. Mete-os mas é na rua *força de expressão*.
Ao que outro alguém, que também me é muito próximo, reforçou:
- Tens noção que com gatos em casa nenhum homem te quer?
E foi ao ouvir ecoar o velho cliché de que os homens temem a presença dos gatos (não encontro outro modo de colocá-lo), que comecei a remoer neste ponto.
Com que então, um homem que me conheça (uma mulher de 26 anos sem um nariz demasiado grande, licenciada, com trabalho efectivo, casa própria, três livros publicados e a falar, além da sua língua nativa, inglês, italiano e francês) vai pôr travões ao amor porque tenho dois gatos?
A sério que existe a possibilidade de um dia alguém me dizer “eu ou os gatos?”. 
De que modo incomodam, afinal, os gatos? Porque andam por cima de tudo? Sinceramente acho mais nocivo um homem com consola em casa. Porque os gatos ainda se sentam no nosso colo e nos fazem companhia, estejamos com quem estivermos, agora a consola só serve para o chamado “sai da frente!”.
Porque é que as mulheres que traem, enganam, mandam os homens à merda e faltam aos funerais das suas mães podem vir a ser felizes e eu não, porque tenho gatos? Porque é que as que amarram os cães no poste do quintal (mas ao menos têm cães, não gatos) acabarão por encontrar “o amor” e eu não?
E que “amor” é esse que impõe condições? “Olha, se não te livrares dos gatos não esperes que viva contigo”. “Olha, se não trancares os gatos, não esperes que vá à tua casa”. Ou elas para eles: “Olha, se não limpares os pêlos do lavatório, é melhor ires morar sozinho”, "Olha, se não puseres qualquer coisa que disfarce o teu cheiro a chulé nos sapatos, é melhor ires embora". "Olha, se não aprenderes a mudar lâmpadas, não me serves para nada". "Olha, se já só vais lá com Viagra, podes pôr-te a andar".
Eu sei que o nosso século é mesquinho e cheio de manhas e modas, mas porque é que é aceitável que se tenha um bull dog francês (e atenção que gosto de cães), com mau hálito, força bruta e poder destruidor, que rói, mija e ladra, e os gatos, por causa das unhas e dos pêlos, já não o são? Os cães não largam pêlos? Os cães são melhores amigos do que os gatos? Depende da noção de amizade. Acredito que uma pessoa reservada possa ser tão boa amiga quanto uma que atravessa o bar de dentes arreganhados para nos abraçar.
Tenham tino. Há um limite para a sanidade que talvez se contabilize pelo número de gatos; como em tudo na vida é preciso conta e medida. Mas não me venham dizer que sou solteira porque tenho gatos. Estou solteira, sim, porque não aceito um amor poucochinho. Nem um amor que imponha condições. Ou é tudo, ou sou muito feliz no “nada”.

E qualquer homem que pudesse abrir a boca para me meter no lugar-comum da mulher solteira com gatos, pode muito bem ir dar uma volta ao bilhar grande. É evidente que sofre de uma miopia grave.

Parece que só me sobram os homens medíocres. Um Julio Cortázar, um Salvador Dalí, um Picasso ou um Matisse. Estou feita...