quarta-feira, 15 de junho de 2016

Carta às minhas filhas #92


Hoje vou escrever sobre o amor, o sexo e os homens. Em 2016, se uma mulher gostar de um homem durante demasiado tempo, e ele não retribuir o sentimento, ela é uma rejeitada. Há-de ser vítima de risos, de dedos apontados, de piadas atrás de piadas. Os amigos que tiverem pena, não quiserem partir-vos o coração, vão dizer que vai acabar tudo bem. Quem tiver predilecção pelas pequenas crueldades, vai rir-se e esfregar-vos na cara o nome da sua última conquista e as posições em que têm dormido juntos. Tudo isto deve ser ignorado: afastem-se do ruído e sintam o que a vossa consciência já sabe.
Como sei que serão fortes, se isto acontecer convosco, agarrem-se ao facto de saberem que um grama de amor genuíno é o vosso maior triunfo e tesouro, mais raro no mundo do que o petróleo pelo qual tantos esgrimam. De certa forma, o tipo que amarem é um privilegiado. Mal o dele se não se dá conta disso e ainda sai pelas ruas a queixar-se que está tudo perdido porque as pessoas são incapazes de amar. Ou talvez seja uma daquelas pessoas tão obcecadas com ser diferentes que se perdem de si próprias e deixam de saber reconhecer o bem quando este lhes é dirigido.
Muitas vezes, isso será o vosso único consolo. Saberem que são capazes de amar quando tantos se sentem perdidos quanto a afectos. Não condenando quem se apaixone muito, ou com facilidade, ou quem tenha várias relações “assumidas”, toda a gente acha mais natural que uma rapariga de 25 anos tenha tido cinco namorados do que achará se souber que teve cinco “casos”. É a fronteira da menina decente para a perdida. Mas pior pode acontecer.
Se vocês forem persistentes o suficiente para lutarem pelo que querem, podem até acabar por ser felizes nas entrelinhas. A vida tende a enviar prémios de consolação, de vez em quando. Podem acabar por entender que, por muito que o amor a essa uma pessoa seja sagrado e por isso difícil de arrumar para o lado, há todo um horizonte mais além. Se forem honestas convosco próprias e com os vossos desejos, saberão sempre quando é hora de dizer sim e quando é hora de se negarem. Saberão a quem fechar a porta e a quem convidar para o vosso santuário. NÃO DEIXEM DE SE DIVERTIR PORQUE ALGUÉM TEM MÁ OPINIÃO DE VOCÊS.
Se alguma vez puderem ter cinco minutos com a pessoa que desejariam que ficasse convosco para o resto da vida, não hesitem. Se forem mulheres modernas, aprendam a lidar com o depois: não deixem de arriscar por medo de não serem capazes de viver convosco depois de uma decisão tomada, e não deixem de viver com base nos medos e nos limites que tinham estabelecido para vocês mesmas. Ultrapassem-no com graça e perdoem-no por ser mais fraco e menos subtil na hora de arrumar os cacos. Perdoem-no se sentirem que o ofenderam naquilo que ele achava que o fazia forte: a resistência.  Se ele for um homem inteligente, em breve vai descobrir que tudo na vida é imprevisível. Que tudo muda de rumo. Que as promessas de ontem serão quebradas deste ou do outro lado. Que, no final, alguém tende a ficar com os dois pássaros a voar e um par de mãos vazias para contemplar. É matar ou morrer. Quando um relance de felicidade passa, segurem-na!
Perdoem-no se, depois de confrontado com a vossa honestidade e a vossa abertura a tudo o que é bom na vida, vos chamar de vacas. Ou vos mandar calar a boca. Ou não vos olhar nos olhos. Pode acontecer. Por isso perdoem-no se ele se tiver convencido de que a vida dele deve seguir para Este e vocês forem um farol a Oeste. Que devem a um homem que vos falta ao respeito quando lhe deram tanto? 
Desistam dele quando a estrada chegar ao fim para vocês, e não porque todos os outros vos pediram (às vezes imploraram) que o fizessem. Orgulhem-se de terem estado lá. Dois, três, cinco anos, quase uma década. Duas, três, a vida toda. Não importa o quanto. ORGULHEM-SE de vocês próprias por buscarem satisfação no que a vida estende à vossa frente, sobretudo quando não criaram as oportunidades, quando não forjaram momentos, mas os mesmos vos foram estendidos porque vocês os mereciam. Ou porque estava escrito, e tudo tem um motivo na Ordem das coisas. Cinjam-nos com as duas mãos. 
Sejam exigentes e generosas convosco próprias. Há um limite de lágrimas que uma pessoa pode chorar por outra. Um oceano deve bastar. É vosso direito e vosso dever o pegar nas vossas horas e fazer delas o que quiserem.
Só se dêem a quem vos respeitar e a quem tenha também algum respeito próprio – ou a quem quiserem dar-se, nem que seja se para poderem sorver os recantos desses minutos na memória, pelo resto dos vossos dias, até que a sanidade vos falte.
Uma mulher sozinha não está só. Tem o seu vinho e o seu jazz. Tem o seu companheiro da meia-noite, nem que seja o respeito próprio quando as portas se fecham. A mulher tem tanto direito à vida no Oriente quanto aqui, no Ocidente. E está acorrentada em todas as latitudes. A sociedade ainda não parou de julgá-las. Eu mesma já dei por mim a julgá-las. Reflectindo no assunto, julgo mulheres que abdicam da própria dignidade para matar a fome do corpo. Mulheres que dormem com os homens por quem os corações das amigas batem; mulheres que não se coíbem de saciar as vontades à frente da filha menor num espaço público, mulheres que não se conhecem a si próprias e se apaixonam quatro vezes num ano.
Sejam confiantes. Parem de repensar na cabeça o que poderiam ter feito melhor para ter sido aceites pelo tal. Que se foda o tal. Se fosse mais bonita. Se tivesse mais dinheiro. Se fosse doutra religião. Se não tivesse gatos. Se não tivesse barriga. Se não tivesse o nariz torto. Se tivesse outra família. Se não fosse tão impulsiva. Se não fosse loira quando ele prefere morenas...
O homem que está guardado para vocês – e tudo acontece por um motivo, reafirmo – vai fazer-vos sorrir. Vai chegar e vai fazer-vos sentir-se bem instantaneamente. A mamã sabe que é possível. A mamã já viu o destino a tecer estas malhas várias vezes. O homem que vos merece – aquele que Gabriel García Márquez diz que nunca vos fará chorar – jamais vos chamaria de putas. Jamais o insinuaria. Jamais, em momento algum, o pensaria. Por ter-vos tão alto, por vos louvar - há um certo fado, uma certa queda para a tragédia, em ser-se mulher - eleva todas as outras mulheres também. O homem que é vosso, e sempre foi, está feliz por saber que passaram pelos vossos dias em pleno. Jamais levantará a voz para dizer uma palavra que seja contra o nosso género; e se levantar fará rapidamente um parênteses para vocês e para a mãe.
Vão tentar cingir-vos ao código de ideias deles. Vão tentar ver-vos sozinhas, presas às normas e ao que é esperado para uma menina de família, para uma menina de boa-educação, para uma menina católica, para uma menina que não bebe, não fuma, não fode, não usa mini-saia. Vão perguntar-vos quando arranjam alguém, sem saber que estão livres para arranjar quem quiserem. 
Não fiquem na prateleira para sempre, enquanto os homens procuram arrumar as ideias na cabeça e andam por aí a rebolar de bêbedos e a beijar umas enquanto apalpam outras, sob a indulgência e o riso fácil da plateia. Dêem uma machadada na prateleira. 
Não sejam uma mulher que não pode dar-se ao homem que deseja sem que seja uma vaca. Sobretudo se esse homem não concebe que a mulher em questão o quis sempre em todos os dias da sua vida, com ou sem o apimentado do desejo sexual. Se ele vos chamar de vacas, ergam a mão e façam-na estalar na cara dele. Só porque algumas são mesmo e os traíram. Ele que seja maior que isso, que ultrapasse! Que aceite que o erro foi sobretudo seu, porque não é lá muito bom a julgar pessoas e as pessoas tendem a trazer a sua natureza à superfície.
Saibam que fizeram tudo o que tinham a fazer – e que isso basta de consolo. A mamã aprendeu isso mesmo. Foi uma lição importante. Amor é coisa de sorte mas sexo é coisa de pele, e por enquanto é feio que uma mulher seja menos do que virginal. Ou comprometida. Não se neguem coisa alguma por um princípio que vos impuseram. 
Respeitem-se a si próprias, não façam favores nem fretes. Não percam a dignidade. Fiquem ao lado de quem vos chama bonitas com o olhar, e que com isso não esteja a falar dos vossos olhos nem dos vossos seios. Enquanto esse não vem...

Dou-vos uma palmadinha nas nádegas e fico a ver-vos sair do quarto:
Vão: sejam felizes.