Às vezes, a mãe só quer sumir-se.
Duvida, até, que jamais tenha forças para viver todos os dias, dia a dia, até chegar a vocês.
sexta-feira, 18 de julho de 2014
quinta-feira, 17 de julho de 2014
Carta aos meus filhos #52
Ontem a mãe portou-se muito bem.
Foi
ao Hospital dos Capuchos a pé e regressou a pé. Percurso Chiado, Rossio,
Restauradores, Avenida da Liberdade por ali acima. Depois Avenida da Liberdade
por ali a baixo, Restauradores, Rossio, Baixa, Praça do Comércio, Rua do
Arsenal, Cais do Sodré. Pelo
caminho admirou as montras, e não só. Sofreu três tentações às quais resistiu
heroicamente.
Primeiro uma montra enorme, ao lado dos CTT dos Restauradores, anunciava livros com 50% de desconto. Entre eles A Queda dos Gigantes, do Ken Follett a quem a mãe se recusa a render-se. O que a tentou mesmo foi “O Inverno do Nosso Descontentamento”, do Steinbeck, a 7€ e pouco. Um clássico a esse valor, as páginas branquinhas e perfumadas a exigir ser lidas... Que força de vontade que é preciso ter para abandonar assim um livrinho indefeso.
Primeiro uma montra enorme, ao lado dos CTT dos Restauradores, anunciava livros com 50% de desconto. Entre eles A Queda dos Gigantes, do Ken Follett a quem a mãe se recusa a render-se. O que a tentou mesmo foi “O Inverno do Nosso Descontentamento”, do Steinbeck, a 7€ e pouco. Um clássico a esse valor, as páginas branquinhas e perfumadas a exigir ser lidas... Que força de vontade que é preciso ter para abandonar assim um livrinho indefeso.


A
mamã desistiu do lindo vestido num primeiro andar, ao cimo de umas escadas
sonhadoras de madeira envernizada, e saiu da loja.
Não
comprou nada.
As
minhas obrigações agora são para com a casa.
São
para com o vosso futuro.
terça-feira, 15 de julho de 2014
Carta aos meus filhos #51
Não é que a mãe sinta qualquer tipo de ansiedade. Se for honesta, não é bem isso que sinto. É mais uma inquietação - mínima -, mas um vazio.
As cartas costumam responder, mas para isso é preciso que se queira. O futuro é escrito por nós, pelo bater das nossas asas enquanto borboletas. As asas da mãe pouca poeira levantam. O futuro está estagnado.
As cartas não me respondem.
Elas não sabem para onde vou.
Eu não sei para onde quero ir.
As cartas costumam responder, mas para isso é preciso que se queira. O futuro é escrito por nós, pelo bater das nossas asas enquanto borboletas. As asas da mãe pouca poeira levantam. O futuro está estagnado.
As cartas não me respondem.
Elas não sabem para onde vou.
Eu não sei para onde quero ir.
domingo, 13 de julho de 2014
Carta aos meus filhos #50
A
mãe acordou às seis da tarde de Sábado, após uma sesta de quatro horas, e foi
ver o vosso bisavô. Por esta altura – e para sempre – ele precisa de estar na
cama ligado ao oxigénio. Sempre e para
sempre. As ninharias de que depende a vida… quase tantas quanto as de que
depende a felicidade. O bisavô estava a ver um filme com a família toda ao
redor. A avó estendida ao lado, a tia Cláudia enrolada entre ambos, a tia Ana
ao fundo da cama. E, no centro, estendidas, a Valentina sob as mãos da Cláudia
e a Josefina cá em baixo, que ela não gosta de grandes atenções ao seu redor.
É
um bonito quadro de família. Mas a mãe está a perecer. A mãe mudou e ainda não
retomou as rédeas da sua vida. Nem as rédeas de si própria, para dizer a verdade.
A prometida energia que as tais infusões trariam, mantém-me sonolenta o dia
inteiro. A mãe continua sem vontade de fazer nada. Ou melhor, a mãe tem vontade
mas é incapaz de se concentrar em algo durante muito tempo. Dá-lhe sono a meio
dos filmes, não posso escrever muito de cada vez, nem tão-pouco ler. Não há dia
em que não boceje a todas as horas, e é raro chegar a casa do trabalho e não me
deitar a dormir.
Quanto
ao trabalho é outra história… A mãe sente-se puxada para ele de tal maneira que
até lhe custa passar os fins-de-semana sem ir adiantar coisas. Por gosto,
porque são tarefas que começo e acabo e que termino. Ao contrário de todo o
resto, onde me falta motivação.
A
mãe sente falta do vosso pai. Dormi pela primeira vez na minha cama sueca 200 x
140. Parece uma nave espacial. Cabiam quatro pessoas com a estrutura da mãe ou
três de estrutura comum. O vosso pai poderia dormir à vontade no cantinho dele,
partilhar comigo essa viagem nocturna na nave espacial.
Quero
que saibam que nem tudo são rosas. Para a mãe, ter uma casa e uma dívida de
tantas décadas ao banco é um bocadinho sufocante. Por vezes é até assustador. E
a mãe sabe que a casa estará sempre paga, mas o resto assusta-a. As contas
empilham-se. Temos que ser os grão-mestres da gestão para que tudo funcione sem
sobressaltos. E os sobressaltos sucedem-se… A mãe não tem muito dinheiro mas
também não está desgraçada financeiramente. Contudo as preocupações acumulam-se
e a mãe tenta estar presente em todas as frentes. Para o mês que vem tem de
esterilizar a sua gatinha. Tem de ser… o custo é o equivalente a metade do
sofá, 1/3 do esquentador ou três cadeiras para a mesa da sala. Mas o amor é
assim. E a mãe ama-as.
Já
está na hora de o vosso pai aparecer. Era bom que me mantivesse acordada o dia inteiro, que eu quisesse viver por ele também e me recusasse a cair na inanimação. Escolhi as cores das paredes a pensar
nele. Já está na hora de ele vir para nos sentarmos um bocadinho no sofá à
noite. A mãe precisa de pousar a cabeça no ombro dele. Precisa de cheirá-lo, de
sentir-se amparada. Já está na hora de irmos jantar fora, descobrir
restaurantes juntos – a mãe gosta tanto de comer! – e de tirar fins-de-semana
algures. Já está na hora de explorarmos o mundo juntos, de nos irmos
conhecendo, adaptando, sintonizando. Por enquanto eu ainda tenho avós para lhe
apresentar, e sei que o bisavô choraria se eu alguma vez me casasse. E que
seria louco de paixão pelos meus filhos. Talvez esteja a ser demasiado
ambiciosa… não chegarei a isso. A vida é cruel, ingrata e irónica.
Anda
para casa, amor. Está na hora de eu aprender a cozinhar os teus pratos
preferidos.segunda-feira, 7 de julho de 2014
Carta aos meus filhos #49
Meus
queridos,
A
vida está terrivelmente complicada, ultimamente. A mãe sabe que usou dois
advérbios de modo seguidos, mas tem sido assim. Erros conscientes atrás de
erros não tão conscientes. Mas a mãe está consciente; isto porque toma umas
infusões de racionalismo. Umas coisas que secam lágrimas e anestesiam corações.
Se o vosso pai estivesse ao meu lado agora, duvido que pudesse vê-lo. Teria,
quem sabe, uma leve agitação na boca do estômago, o instinto a contorcer-se e a
implorar-me que me levante do torpor e olhe. E que, olhando, veja. Mas a mãe
pouco ou nada vê. Pouco ou nada sente, além do que é básico a todos os humanos.
A
mãe sofre de insatisfação – e outras coisas – crónica (s). Também tem uma
inclinação auto destrutiva que não passa por cigarros nem droga; é algo mais a
fundo, mais íntimo. Ainda que o corpo sobreviva, a alma perece. Os tecidos, por
dentro, rasgam, engelham, esfarripam-se. A mãe tem as fibras enrodilhadas nos
dedos das mãos. A cada vez que procura o peito, que tacteia em busca de coração,
retira a mão com mais farripas. Agulhas, no lugar do peito. A lembrança recente
de que me doía a vida – onde a vida latejava em mim, doía. E, sendo tão jovem,
doía tanto… Mas antes um peito de pano retalhado do que um peito descarnado.
Sem
essas infusões a mãe estaria acabada. A mãe sente que está ligada a máquinas. Life support, apoio à vida, algo que
sustém a vida. Se desligar a máquina, a mãe tomba da flutuação para uma
fogueira de consumação.
Estar-se consumido;
preocupado, inquietado, angustiado. Ser-se consumido; ser-se engolido,
ingerido, aniquilado, gasto até à extinção.
A
mãe deveria estar a gozar um estado de graça na sua existência. Tem um lar para
montar, uma amiga que está na mesma situação. Combinamos idas à Feira da Ladra
e trocamos conselhos sobre recheio do lar. A casa dela está um mimo de
criatividade e imaginação. E a da mãe já vinha formatada, e a mãe queria tudo
ao seu gosto, mas não vai dar. A mãe não sabe fazer-se feliz.
Perante
um homem quebrado, como a mãe é uma mulher quebrada, só pode haver
infelicidade. Se o homem for obscuro, marcado, amargo, frio, se tiver
cicatrizes… poderia ele curar-me e eu curá-lo? A mãe costumava achar que sim.
Que era um bálsamo para as feridas dele, e ele para as minhas. Mas não;
somos álcool, petróleo, benzina, qualquer coisa inflamável que deita fogo ao outro.
Magoamo-nos. E ainda assim, bem no fundo, a acenar, o afecto está lá. Mas a mãe não o sente; vê-o, mas não o sente. Pode ver-se um sentimento e não o sentir?
A
mãe magoa todos e todos me magoam com facilidade. A mãe não sabe o que se passa
consigo. Há quase um ano que não se reconhece. A vida complica a cada esquina,
e a cabeça da mãe está cada vez mais incapaz de resolver puzzles.
As
pessoas não valem nada. As pessoas valem tudo. Distingui-las é o problema. As
que não valem nada amam-nos. As que valem tudo desprezam-nos. A distância é
melhor. Jogar pelo seguro é melhor. Silenciar amores e ódios é melhor. A
inconstância é melhor. Voltar atrás; arrependermo-nos, envergonharmo-nos é
melhor. A mãe está a viver sem moral. Há um conflito aberto entre quem sou e
quem quero ser.
Não
amar é melhor.
A
mãe sente que está a ser sugada para um grande ralo. A mãe é cada vez mais pequena
e o ralo é cada vez maior. Só espero que, do muito de mim que está a
desaparecer, não desapareça a escrita. Sem isso a mãe é uma mera carcaça.
Em
“Uma Mulher Responsável”, a Leonor Sanches escreveu uma carta de alto teor
erótico ao objecto dos seus desalentos. O Victor há-de chamá-la ordinária e
desavergonhada. Talvez seja isso que ela é.
domingo, 6 de julho de 2014
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