Se a mãe pudesse escolher que personagem
ser na vida, escolheria o papel de uma qualquer actriz num filme francês. Ou melhor, a
ideia que tenho do papel de uma francesa num qualquer filme. Uma mulher que não se preocupe
demasiado com o perfume sem ser no momento exacto. Ou talvez esta seja a minha
ideia de uma mulher francesa; alguém de cabelo meio solto, rosto limpo de
maquilhagem, beleza discreta, só visível aos olhos de quem sente, não demasiado
alta. Sem madeixas, sem creme hidratante nas mãos. Uma mulher simples, jovem,
num mundo onde os homens fumam demais e metem demasiado perfume.
A mãe está melhor. Cinco infusões por dia,
mas a mãe ignora o doutor e toma só duas. Não pode dar-se ao luxo de engolir
cinco goladas de cura por dia, ou dormiria de manhã à noite.

A mãe sentiu um laivo de amor, hoje. Na
realidade, sentiu dois. É estranho que não me sinta muito normal, que tenha
tonturas quando me ponho de pé e que durma sestas de duas horas em sofás. É
estranho que tenha destruído o meu dedo médio e ganho uma bolha do tamanho de
uma moeda de dois cêntimos no polegar por tanto apertar parafusos em estantes e
roupeiros. É estranho que um jarro da bisavó Norvinda, tipo bibelôt daquele
azul e branco tão português, seja a minha peça favorita da estante. Fora os
livros.
Como dizia, é estranho que a mãe tenha sido
bafejada por algo parecido com amor hoje. Caminhava na rua, com as calças
demasiado apertadas em torno das ancas, porque agora peso sete quilos a mais do
que há três meses, e senti-o. O amor; um sopro na minha testa. Um líquido morno
a escorrer-me pelo peito e a comover-me por um instante. Fiquei tão
surpreendida que estremeci. Ao sacudir os ombros, perdi essa sensação. Mas,
durante alguns instantes, ela esteve lá. Senti-o. Amei. Depois desamei. Mas,
por meio milésimo de segundo, amei.
A mãe hoje, apesar de por momentos, voltou
a amar.
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