A mamã sentiu um peso hoje no peito. Uma espécie de
ansiedade mascarada de angústia, ou vice-versa, não estou certa. Tudo porque,
de repente, me chamam “senhora Célia”? Quem sou eu para considerar que uma
pessoa é mais digna de amor do que outra, e de que espécie de altruísmo sou
feito se me considero tão digna do mesmo? O que observo é que as pessoas ao meu
redor parecem enamoradas de pouco e de fácil.
Mas um fácil que lhes sai caro, como se o que realmente os atrai fossem
os defeitos e não as virtudes de cada um. Poderá isto ser o amor sacrificial de
que há tanto oiço falar? Será que nos sentirmos melhor se pensarmos “está
crivado de imperfeições, mas amo-o?”. Será falta de autoestima? É que vejo
pessoas a pisar e a repisar outras, a baterem-lhes com a porta na cara, a
torcerem-lhes o nariz, a dizerem as maiores atrocidades, e no fim o amor da
vítima emerge intacto. Será o “quanto mais me bates mais eu gosto de ti?”. Será
a humanidade no seu estado mais puro – um reconhecimento mútuo das falhas?
Quando vai chegar a vez de a senhora Célia ser feliz?
A mamã fez vinte e seis anos. Hoje foi a uma papelaria e a dona pediu a um dos
funcionários: “Atende aí essa senhora, por favor”. Foi como se pusessem um
espelho de corpo inteiro diante de mim. Será do cabelo? Da estatura? Do peso?
Da roupa? Da falta de maquilhagem? Estou habituada a que me chamem de menina, o
meu coração divaga despreparado para estes golpes…
Sentada nos correios à espera da minha vez de
despachar os livros, foi como se o peso do mundo se abatesse sobre os meus
ombros. Tenho de me ir embora. Antes de pensar que tudo acabará assim, tenho de
fazer as malas e partir. Preciso de alguém de fora, alguém que nunca me
conhecerá tão bem quanto alguns me conhecem, mas que veja algo de exótico em
mim. Alguém com quem partilhar os benefícios da cozinha mediterrânica e com
quem discutir religião e ciência. Alguém que veja os prós e os contras de viver
no meu país, e que reaja bem aos que eu aponte acerca do seu.
A senhora Célia sentiu que um sono malévolo se
apoderava dela. Quis fechar os olhos, depois entendi que me custava respirar e
que ganhei aversão à tristeza. O facto de ter padecido de uma doença que se
traduz em tristeza e desespero (ou apatia, em estados mais graves) profunda, faz
com que entre em pânico a qualquer aproximação de melancolia. Rejeito-a com
todas as células do meu sentir, mas custa-me a fingir que não vejo o fantasma.
Não sei se aguento ver-me de peito despedaçado outra
vez, por isso espero que a respiração se regularize o quanto antes e que o pior
aconteça também o mais cedo possível.
Quero começar já a terapia inerente ao luto.
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