sábado, 31 de agosto de 2013

Carta aos meus filhos #7

Guten tag,


Hoje foi um dia tranquilo. Não se ouve o mínimo ruído nas redondezas, está sempre tudo em silêncio. No primeiro dia pensei que a casa tinha isolamento de som. Depois ouvi a televisão do vizinho e pensei que se tratava de um fantasma. Nesse mesmo dia cheguei à conclusão de que a casa não tem qualquer isolamento. As pessoas é que não fazem barulho, é quase como se não vivessem. Não falam alto, não gritam, não deixam cair coisas nem batem com portas.
Em relação aos alemães, o que sei deles até agora? São educados – alguns conseguem ser gentis. Mantém as distâncias mas ajudam, sorriem sem serem tagarelas nem revelarem qualquer pormenor da sua vida. Raramente são mordidos pelo bichinho da curiosidade. Respondem a uma pergunta e seguem o seu caminho.
Têm uma estranha predilecção, estes de Hamburgo, por água com gás. Pergunto-me por que carga de água alguém beberia água com gás se pudesse beber uma simples e refrescante água mineral?
Almoçam cedíssimo e, segundo aprendi hoje, não jantam. Certo é que são todos bem constituídos, ainda não vi nenhum magrinho ou baixo. How can it be?
Os serviços parecem ser caríssimos. Cerca de 200€/mês para água, electricidade, internet. Isto faz com que as despesas da casa estejam estudadas ao pormenor. Vamos ver se me habituo a comer pão ao jantar.
Quando uma coisa é barata aqui, parece mesmo muito barata, tipo gel de banho da Nivea (alemã) a 1,95€ sendo que, em Almada, custa 3,20€.
Ontem e hoje distraí-me com um tutorial de alemão – Der roman ist interessant. Die romane sind interessant. E com um de piano – Für Elise é a primeira composição a estudar.
Em breve espero inscrever-me nas aulas de Alemão.

Ich bin schon in Hamburg.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Carta aos meus filhos #6

Hallo,

Hoje foi o segundo dia da aventura Hamburguesca da mãe.
Tudo começou com a devida pesquisa acerca dos locais onde tinha de ir. Assinalei-os devidamente no mapa, sem grande noção de distâncias. Tanto o Burgeramdt (escritório de apoio a estrangeiros onde vou pedir o nº de contribuinte alemão) e o Consulado Português ficam nas margens do lago Alster – suposto ex-libris do turismo em Hamburgo.
Então como correu o dia, hoje?
Acordei antes das 09:00, ignorei o despertador e pesquisei pelas moradas dos locais/saídas do metro, etc., no computador. Nota mental para comprar um tapete para o rato. Comi uma tigela de cereais (a olhar para as flores da vizinha). Arrumei a cozinha. Fiz uma nota mental para comprar sacos do lixo. Tomei banho. Arrumei o wc. Vesti-me e, depois, sentei-me para calçar as botas (pensando eu que o cinzento lá fora não anunciava nenhum calor). Conforme me sento no quarto a calçar as botas oiço um barulho vindo do escritório. Deste onde estou agora a escrever-vos. Uma espécie de televisão ligada com uma mocinha a falar em alemão. Foi tão óbvio que o barulho vinha daqui que vim ver do que se tratava. O som eclipsou-se antes de poder olhar cá para dentro. Nem televisão, nem rádio, nem despertador. Os cabelinhos do pescoço assanharam-se-me, mesmo porque vi que, no sótão, há duas máscaras de gesso de dois rostos. Podiam ser uma antevisão de uma máscara veneziana, mas estas nunca passaram de dois moldes de gesso e não gostei de as ver ali, bem como não gosto do palhaço de madeira em forma de sombra sobre a minha cabeça e para lá da cortina, enquanto durmo. Também a língua alemã e o passado do país me causam melindres, pelo que tive de afastar tudo isto das ideias para continuar a fazer a minha vida. Voltei ao andar de baixo, pousei tudo na cómoda da entrada e dei-lhe as costas para me ver ao espelho na casa de banho de apoio. Oiço cair o batom da Eucerin (comprado em Almada Velha mas importado de Hamburgo!). Pelo barulho seco soube que só podia ter sido ele a cair da cómoda. Baixei-me para o procurar sob a cómoda com o ruído da queda ainda a ecoar no vestíbulo. Não o vi. Agora sim, se não estivesse adiante, atrás da porta, teria fugido a correr. Lá estava ele. Na casa de banho de serviço descobri que tinha uma unha falhada e que a lima estava no andar de cima, de onde eu tanto queria fugir. Pensei «quando voltar a casa vou lá», mas depois obriguei-me a vir e pareceu-me tudo inquietantemente normal.
Saí de casa duas horas depois de ter acordado. A brincadeira de comer-limpar a cozinha, tomar banho-limpar o wc, dormir-fazer a cama, atrasou-me em mais de uma hora.
Assim sendo lá apanhei o metro para Steinstrasse e rezei para dar com o escritório de estrangeiros. Dei várias voltas ao bloco, inclusive paguei 2,00€ por um café expresso, suei e doeram-me os pés até descobrir que tinha saído do metro no sítio exacto onde era o escritório. Era só atravessar a estrada. Perdendo cerca de uma hora perdida, cheguei lá às 13:00 apenas para descobrir que fechara às 12:00. Damn you, sexta-feira na Alemanha! Fecha tudo mais cedo. Sentei-me e choraminguei um bocadinho antes de continuar o meu caminho para Jungsfernstieg, a estação central. Pelo caminho pus-me a ouvir Scorpions e animaram-me bastante. Tanto que tirei a Canon da mala e lá fiz de turista. Perante uma ponte com dois homenzinhos que, ao longe, me pareceram extremamente familiares, pus-me a rir. Encaminhei-me para lá apenas para descobrir que, à esquerda, temos o Colombo e à direita – fiquei sem fôlego – o meu rico Vasco da Gama.
Metro é U-bahn, e esta saída funciona para o Consulado e para a rua onde trabalho. Dei um pulinho a essa rua e depois fui ao Consulado. Ver a bandeira de Portugal fez-me sentir, por momentos, menos perdida. Subi ao primeiro andar às 14:00, uma hora depois de ter fechado. Desta vez não choraminguei; sorri.
Não há muita gente a saber falar Inglês por isso, depois de dar quatro ou cinco voltas à praça onde é o Parlamento, enfiei-me num centro comercial para comer qualquer coisa. Como a cidade não é direcionada a estrangeiros, as ementas estão todas em alemão. Não são os preços que assustam, são aquelas palavras com “ch”, “zein”, “k” que assustam. Por isso refugiei-me numa montra de Pasta e sou cumprimentada com um “ciao”. O moreno sorridente tinha de ser do Sul da Europa. Digo-lhe, em Inglês, que não falo Alemão. Ele pergunta-me se falo Italiano e quase me atiro ao chão de alívio. Pomo-nos a falar em Italiano e, enquanto como macarrão à bolonhesa, ele conta-me que é da Sicília e que há vinte e cinco anos que mora aqui com a família. Chama ladrões aos governos e pergunta o que é que aquela gente faz com o dinheiro que rouba, visto que bastava roubarem metade para já viverem o mesmo género de vida. Diz que sente falta da família, da comida – o que é que vocês comem em Portugal? Portugal é um país lindísimo, da língua dele e, sobretudo, do sol. Diz-me que vivemos em bons países com más pessoas, e é por isso que ele não vai voltar a Itália. No final, os três sicilianos – entre os 30 e os 50 anos – juntam-se ao balcão para me dizer adeus. Com educação, e sem maldade, o senhor mais velho diz-me, quando me despeço, “sei molto bella”. Quis ter um bocadinho mais de forças, hoje, para lhe responder “non, sono è molto brava”. Disse-lhes foi que, graças a eles e ao Italiano, me senti finalmente em casa desde que cheguei. Como ficam a uma caminhada de 5 minutos a partir do meu trabalho, penso que vá lá almoçar com frequência.

Voltei para casa exausta, a dormir no metro. Cheguei a casa e devia sair para ir tratar das coisas que preciso – entre elas o raio de uns ténis porque fiquei com os pés num oito. Ao invés, vou dormir e curar as costas até que seja hora de fazer o jantar.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Carta aos meus filhos #5

Meus queridos,


Nunca me senti tão crescida e tão capaz como hoje, vinte e nove de agosto de dois mil e treze. Não chorei no embarque, não sofri tremuras nem nervos e até consegui sair do aeroporto com toda a dignidade possível a uma mulher de 1,50m que carrega 39 kg entre as duas malas que pode trazer consigo. Depois, meteu-se num táxi escolhido a dedo por um senhor da Índia ou do Paquistão que falava Inglês mas que, nas entrelinhas, tagarelava em Alemão. Meteu o GPS para a morada que a mãe lhe deu e, 24€ depois, estava em casa.

A casa é adorável, uma verdadeira casinha de bonecas cheia de marcas de vida. Espanta-espíritos, fotografias, desenhos, um mapa mundi com pins coloridos a assinalarem os mais diversos destinos, incluindo a costa este da Austrália, roupa nos armários e objectos que já não via há algum tempo, como aqueles despertadores de mostrador digital com algarismos a vermelho. Contudo, tem demasiadas portas. Tem duas portas na cave, duas portas ao nível da rua, uma porta para o sótão e uma para a cave. É muita porta para uma mulher assustada guardar. Espero que confie na vizinhança, que é amorosa, e não tenha ideias idiotas. E as escadas matam-me (como meia conclusão; casas com três andares e escadas não têm piada!!!).

Como balanço do primeiro dia, cheguei a duas conclusões: 

A primeira é a de que não sei fazer nada. Ao jantar consegui ferver o óleo (de tal modo que o frango ficou instantaneamente chamuscado ao tocar-lhe), queimar o frango (lixo) e a frigideira (muita esfregadela) e, em seguida... Bom, eu queria fazer frango com mel e amêndoas. Esta última mistura deu azo a um nougat que solidificou no garfo e se recusou a sair até levar com água a ferver em cima. Como até não sou azarada, o nougat pegou-se de tal modo ao negro do chamuscado prévio que, com o segundo, saiu o primeiro também. Queimei-me no braço com óleo e algumas vezes com os recipientes saídos do forno. Sim, tive que recorrer ao forno para poder jantar. Gastei todo o óleo da dona da casa (meia garrafa) - a repôr - e não consegui fritar uma perna de frango. O cheiro a fumo (e a nuvem) eram tais que, momentos antes de ligar o exaustor, pensei que a vizinha do lado, guardiã da casa, viesse aí de extintor em punho.

A somar a isto sou desastrada e impaciente. Uma coisa leva à outra num ciclo vicioso. Fico frustrada pelo quão desligada sou. O fogão, por exemplo, não faz qualquer barulho. Receio vir a esquecer-me que está ligado / de desligá-lo.

A segunda conclusão é a de que jantar sozinho (quem sabe viver sozinho) não tem tanta piada quanto promete. Meter a mesa para um e jantar de olhos postos nas flores do jardim da vizinha não é libertador. É deprimente. E se o computador (a música!) estiver noutro andar, o silêncio abate-se sobre tudo e a sensação de isolamento é inquietante.

Não estou desesperada nem nada que se pareça, mas parece-me importante salientá-lo.

Por isso, meus meninos, por hoje largem o PC e vão comer com os pais.
A mãe finalmente acertou na receita de frango com mel e amêndoas.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Carta aos meus filhos #4

Mes amours,



A mãe não tem tempo. Tem 700 páginas dum romance histórico para rever e só lhe apetece fugir e gastar o pouco tempo que resta em Portugal com cozido à Portuguesa, compilações de música tuga e conversas de escadas com cigarros e as amigas. Já tenho casa, ao menos isso. Um negócio da China dos meus. Entretanto falei com uma pessoa. Com uma pessoa que me olhou fundo nos olhos e que me fez perceber que os medos - como fantasmas dançantes - estão a emergir. Durante anos mantive-os fechados na cave, e agora estão todos a subir ao primeiro andar, quase, quase a bater-me à porta. Será verdade que vivi sempre com medo, a suster a respiração, aterrorizada com voltar a esfolar os joelhos?

Mas também estou tão feliz.
Ontem já fui às compras, já me começo a imaginar feliz no apartamento onde viverei sozinha até ao Natal. Se houver um canteiro vou plantar salsa. Salsa e flores. Há montes de sítios que quero ir visitar em redor - Copenhaga, Berlin, Amesterdão, Wismar, Lubeck, Köln, Brugges, Paris, Estocolmo. A mãe vai ser feliz como nunca foi, escrever sobre coisas novas e preparar-se. Dissera-me para preparar; rodas suplentes para o carro, dois cães, uma espada firme, um manto sólido. Quando a guerra vier, a mãe não admite perder. Admite desistir, mas não perder. E desistir não é perder, talvez vezes é safar a pele. Fugir ao erro, amar-se. Escolher-se.

A mãe não é a Papisa.
A mãe não quer ser como a Papisa.
A mãe é a Imperatriz e o pai é o Imperador.


terça-feira, 20 de agosto de 2013

Carta aos meus filhos #3


Queridos,


Como o tempo passa a voar, a mãe ainda não preparou nada e está a nove dias de embarcar. O que quero dizer com isto do "não preparou nada"? Ora bem; ainda não desbloqueou o telemóvel. Ainda não tratou de duas questões médicas prementes. Ainda não delegou uma das suas contas (meia dúzia de tostões em cada) à tia Cláudia. Ainda não conseguiu comunicar com o tio Daniel e ainda não se despediu do primo Rodrigo. Ainda não comprou uma mala grande para levar no porão. Ainda não arranjou uma casa segura - mas está quase lá. Ainda não corrigiu as 700 páginas A4 do primeiro romance histórico que vai publicar este ano, em princípio. Ainda não foi ao IMT de Setúbal questionar o porquê de, quase 10 meses depois, ainda estar à espera de receber a carta de condução em casa. A mãe ainda não embalou um par de meias. Ainda não fez uma lista - mas tem algumas coisas em mente.  Ainda não aprendeu a dizer "chamo-me Célia" em alemão. Ainda não tem um computador com o skype bem instalado. 

Contudo, já sei que livros vou levar comigo. Empenho-me afincadamente nisso. Espero que ao menos um de vocês goste de ler, por favor! O bem mais precioso que terei a passar-vos será a minha pequena colecção de preciosidades livrescas. Que acham desta selecção?


Mas a mãe desconfia seriamente que não vai levar só estes. Espera estar enganada, se não o melhor é logo encher as malas de livros e levar um lençol no fundo que depois pode usar para se enrolar por lá.

Até breve, quem sabe se já escrevendo de Hamburgo! 

HH, as they say.



(pesquisa para o meu novo livro, passado em 1832)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Carta aos meus filhos #2

Meus queridos,

As coisas estão a compor-se. A mãe já tem o voo e também já tem uma reserva de 3 noites num hostel não muito longe do centro de Hamburgo. Tenho alguns contactos – nenhum deles muito firme -, mas ainda assim contactos. Não estarei completamente sozinha. As redes sociais estão a ajudar com isto de encontrar portugueses e quartos/apartamentos para alugar em Hamburgo. A mãe vai cozinhar. A mãe vai lavar roupa. Vergonhosamente, a mãe não sabe ligar uma máquina de roupa. A mãe nem sequer mexe em tomadas ou fichas eléctricas. É o meu medo de estimação. Não me reconhecem na mulher que vai pela casa a recolher os vossos despojos e a atirá-los para aquele cilindro mágico com quem se entende como vocês dominam os telemóveis de oitava geração? Nem eu me reconhecerei na quase menina que pede à irmã mais nova que lhe ligue a varinha mágica à electricidade.
A mãe tem receio da comida na Alemanha. Aos 23 anos descobriu uma estranha tendência para engordar – especialmente na barriga. Além disso gosto de feijoada, migas, açorda, pão (pão e mais pão), cozido à portuguesa, etc. A nossa gastronomia é tão boa e tão variada que sei que me vai custar a habituar. Além disso o meu conhecimento do que se come lá não excede as salsichas e ovos fritos. Nem estou bem certa de que comam ovos fritos, mas acho que são grandes amantes de cerveja. Odeio cerveja.
Hoje uma amiga minha disse que a notícia da minha (também) partida a tocou. Não exactamente por mim, mas porque é um momento delicado para a História do país. Já aconteceu no passado, é certo. Mas cada vez Portugal é menos dos Portugueses, e menos ainda dos filhos dos Portugueses. Por isso, quando um dia se sentarem na sala de aula a ouvir o professor debitar as causas e consequências do grande surto de emigração de jovens na viragem do milénio, saibam que não o fizemos por ambição mas por uma quase necessidade; a necessidade de irmos buscar aquilo que as nossas forças são capazes de nos trazer. A necessidade de nadar para a costa quando é certo de que o navio onde navegávamos vai ao fundo e não há suficientes botes para salvaguardar a integridade física de todos.
Imagino o Outono no porto de Hamburgo. Espero que corra lá um arzinho do porto de Lisboa. E, ainda que o fado não ecoe no rio Elba, qual encantamento no anfiteatro do Douro, há-de certamente tocar bastante lá por casa.

Até mais logo,

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Carta aos meus filhos #1

Meus queridos,

Em 2013, Portugal perdeu definitivamente todo o seu encanto para a mãe. A vida nunca foi exactamente fácil, mas a certeza - uma equação quase absoluta - de que não melhoraria levou a melhor. Tinha vinte e três anos, sim, tive-os um dia, e sabia-me capaz de lutar por uma vida melhor. A Alemanha surgiu então, quase sem querer, como também o meu curso e o meu primeiro emprego a sério surgiram quase sem querer, colocados no meu caminho pela minha estrela da sorte. Agarrei-os como oportunidades que foram.

Agora é época de arregaçar as mangas. Não posso dizer que estou sozinha, porque não estou. Terei uma ajuda preciosa a quem não posso deixar de, um dia, recompensar. Tive o calor e os votos de felicidades da minha antiga entidade patronal, as lágrimas das colegas que deixo para trás, os abraços firmes dos amigos e o seu apoio incondicional.

É isso então, queridos. A mãe vai morar para a Alemanha. Se um dia metade do vosso sangue for Alemão, saberão que foi aqui que o vosso destino ficou traçado. As cartas prometem amor e sucesso no país da Chanceler que tem decidido também o destino de Portugal. De um Portugal cheio de recantos que são também vossos. Não significa que não possa correr tudo mal. Que daqui a umas semanas não esteja de volta, sem dinheiro, sem emprego, sem forças. Mas realmente era-me impossível continuar aqui e manter a sanidade mental. Era-me impossível não me saber capaz de arriscar, de lutar, de avançar, sozinha que fosse.

Tenho muitos sonhos e muitos planos para esta nova fase da minha vida. Escolho fechar os olhos e aproveitar.

Entre outras coisas, ponderei vender todos os meus livros para custear essa empresa. O Anna Karenina, o Dr. Jivago e A Divina Comédia ter-me-iam valido, só por si, uns bons trocos. Mas eu amo-os. Nunca os li e amo-os, folheio-os, dão-me conforto só por me olharem da prateleira. Ainda não foi desta que tive de desfazer-me dos meus tesouros, alguns deles já com uma década de harmoniosa convivência comigo. O Baunilha e Chocolate, autografado, sobreviveu. O Jane Eyre, que já tinha uma casa pronta a adoptá-lo e a dar-lhe amor, vai ficar no espaço agora vazio de mim. Os livros são a minha casa. Vou e regressarei para buscar a minha casa. Tarde, espero. Bem tarde. Espero ser outra pessoa, com outro bolso e outra bagagem cultural, social e humana.

Enquanto estiver fora (e até quando será?) vou dedicar-me aos livros de bolso. Às grandes aventuras. Robert Louis Stevenson, Daniel Dafoe, Bram Stoker. Quero livros pequenos, amarelados, a cheirar a tempo e a qualidade literária.

Em breve vou "consagrar-me" escritora também de romances históricos. A este respeito falarei mais tarde. Mas... estou já a ponderar uma conexão Portugal-Alemanha no século XIX como forma de desenvolver o volume #2.5 da série. Até isto será afectado.

Com um beijo que demorará anos a chegar-vos aos rostos,
Hamburgo espera-me e o voo já se encontra, arquivado, na minha pasta do hotmail.

CCL.