Hallo,
Hoje
foi o segundo dia da aventura Hamburguesca da mãe.
Tudo
começou com a devida pesquisa acerca dos locais onde tinha de ir. Assinalei-os
devidamente no mapa, sem grande noção de distâncias. Tanto o Burgeramdt (escritório de apoio a
estrangeiros onde vou pedir o nº de contribuinte alemão) e o Consulado
Português ficam nas margens do lago Alster – suposto ex-libris do turismo em
Hamburgo.
Então
como correu o dia, hoje?
Acordei
antes das 09:00, ignorei o despertador e pesquisei pelas moradas dos
locais/saídas do metro, etc., no computador. Nota mental para comprar um tapete
para o rato. Comi uma tigela de cereais (a olhar para as flores da vizinha).
Arrumei a cozinha. Fiz uma nota mental para comprar sacos do lixo. Tomei banho.
Arrumei o wc. Vesti-me e, depois, sentei-me para calçar as botas (pensando eu
que o cinzento lá fora não anunciava nenhum calor). Conforme me sento no quarto
a calçar as botas oiço um barulho vindo do escritório. Deste onde estou agora a
escrever-vos. Uma espécie de televisão ligada com uma mocinha a falar em
alemão. Foi tão óbvio que o barulho vinha daqui que vim ver do que se tratava.
O som eclipsou-se antes de poder olhar cá para dentro. Nem televisão, nem
rádio, nem despertador. Os cabelinhos do pescoço assanharam-se-me, mesmo porque
vi que, no sótão, há duas máscaras de gesso de dois rostos. Podiam ser uma
antevisão de uma máscara veneziana, mas estas nunca passaram de dois moldes de
gesso e não gostei de as ver ali, bem como não gosto do palhaço de madeira em
forma de sombra sobre a minha cabeça e para lá da cortina, enquanto durmo.
Também a língua alemã e o passado do país me causam melindres, pelo que tive de
afastar tudo isto das ideias para continuar a fazer a minha vida. Voltei ao
andar de baixo, pousei tudo na cómoda da entrada e dei-lhe as costas para me
ver ao espelho na casa de banho de apoio. Oiço cair o batom da Eucerin
(comprado em Almada Velha mas importado de Hamburgo!). Pelo barulho seco soube
que só podia ter sido ele a cair da cómoda. Baixei-me para o procurar sob a
cómoda com o ruído da queda ainda a ecoar no vestíbulo. Não o vi. Agora sim, se
não estivesse adiante, atrás da porta, teria fugido a correr. Lá estava ele. Na
casa de banho de serviço descobri que tinha uma unha falhada e que a lima
estava no andar de cima, de onde eu tanto queria fugir. Pensei «quando voltar a
casa vou lá», mas depois obriguei-me a vir e pareceu-me tudo inquietantemente normal.
Saí
de casa duas horas depois de ter acordado. A brincadeira de comer-limpar a
cozinha, tomar banho-limpar o wc, dormir-fazer a cama, atrasou-me em mais de
uma hora.
Assim
sendo lá apanhei o metro para Steinstrasse e rezei para dar com o escritório de
estrangeiros. Dei várias voltas ao bloco, inclusive paguei 2,00€ por um café
expresso, suei e doeram-me os pés até descobrir que tinha saído do metro no
sítio exacto onde era o escritório. Era só atravessar a estrada. Perdendo cerca
de uma hora perdida, cheguei lá às
13:00 apenas para descobrir que fechara às 12:00. Damn you, sexta-feira na Alemanha! Fecha tudo mais cedo. Sentei-me
e choraminguei um bocadinho antes de continuar o meu caminho para
Jungsfernstieg, a estação central. Pelo caminho pus-me a ouvir Scorpions e
animaram-me bastante. Tanto que tirei a Canon da mala e lá fiz de turista.
Perante uma ponte com dois homenzinhos que, ao longe, me pareceram extremamente
familiares, pus-me a rir. Encaminhei-me para lá apenas para descobrir que, à
esquerda, temos o Colombo e à direita – fiquei sem fôlego – o meu rico Vasco da
Gama.
Metro
é U-bahn, e esta saída funciona para
o Consulado e para a rua onde trabalho. Dei um pulinho a essa rua e depois fui
ao Consulado. Ver a bandeira de Portugal fez-me sentir, por momentos, menos
perdida. Subi ao primeiro andar às 14:00, uma hora depois de ter fechado. Desta
vez não choraminguei; sorri.
Não
há muita gente a saber falar Inglês por isso, depois de dar quatro ou cinco
voltas à praça onde é o Parlamento, enfiei-me num centro comercial para comer
qualquer coisa. Como a cidade não é direcionada a estrangeiros, as ementas
estão todas em alemão. Não são os preços que assustam, são aquelas palavras com
“ch”, “zein”, “k” que assustam. Por isso refugiei-me numa montra de Pasta e sou cumprimentada com um “ciao”. O moreno sorridente tinha de ser do Sul da Europa. Digo-lhe,
em Inglês, que não falo Alemão. Ele pergunta-me se falo Italiano e quase me
atiro ao chão de alívio. Pomo-nos a falar em Italiano e, enquanto como macarrão
à bolonhesa, ele conta-me que é da Sicília e que há vinte e cinco anos que mora
aqui com a família. Chama ladrões aos governos e pergunta o que é que aquela
gente faz com o dinheiro que rouba, visto que bastava roubarem metade para já
viverem o mesmo género de vida. Diz que sente falta da família, da comida – o que é que vocês comem em Portugal?
Portugal é um país lindísimo, da língua dele e, sobretudo, do sol. Diz-me
que vivemos em bons países com más pessoas, e é por isso que ele não vai voltar
a Itália. No final, os três sicilianos – entre os 30 e os 50 anos – juntam-se
ao balcão para me dizer adeus. Com educação, e sem maldade, o senhor mais velho
diz-me, quando me despeço, “sei molto bella”.
Quis ter um bocadinho mais de forças, hoje, para lhe responder “non, sono è molto brava”. Disse-lhes foi
que, graças a eles e ao Italiano, me senti finalmente em casa desde que
cheguei. Como ficam a uma caminhada de 5 minutos a partir do meu trabalho,
penso que vá lá almoçar com frequência.
Voltei
para casa exausta, a dormir no metro. Cheguei a casa e devia sair para ir
tratar das coisas que preciso – entre elas o raio de uns ténis porque fiquei
com os pés num oito. Ao invés, vou dormir e curar as costas até que seja hora
de fazer o jantar.