quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Carta aos meus filhos #5

Meus queridos,


Nunca me senti tão crescida e tão capaz como hoje, vinte e nove de agosto de dois mil e treze. Não chorei no embarque, não sofri tremuras nem nervos e até consegui sair do aeroporto com toda a dignidade possível a uma mulher de 1,50m que carrega 39 kg entre as duas malas que pode trazer consigo. Depois, meteu-se num táxi escolhido a dedo por um senhor da Índia ou do Paquistão que falava Inglês mas que, nas entrelinhas, tagarelava em Alemão. Meteu o GPS para a morada que a mãe lhe deu e, 24€ depois, estava em casa.

A casa é adorável, uma verdadeira casinha de bonecas cheia de marcas de vida. Espanta-espíritos, fotografias, desenhos, um mapa mundi com pins coloridos a assinalarem os mais diversos destinos, incluindo a costa este da Austrália, roupa nos armários e objectos que já não via há algum tempo, como aqueles despertadores de mostrador digital com algarismos a vermelho. Contudo, tem demasiadas portas. Tem duas portas na cave, duas portas ao nível da rua, uma porta para o sótão e uma para a cave. É muita porta para uma mulher assustada guardar. Espero que confie na vizinhança, que é amorosa, e não tenha ideias idiotas. E as escadas matam-me (como meia conclusão; casas com três andares e escadas não têm piada!!!).

Como balanço do primeiro dia, cheguei a duas conclusões: 

A primeira é a de que não sei fazer nada. Ao jantar consegui ferver o óleo (de tal modo que o frango ficou instantaneamente chamuscado ao tocar-lhe), queimar o frango (lixo) e a frigideira (muita esfregadela) e, em seguida... Bom, eu queria fazer frango com mel e amêndoas. Esta última mistura deu azo a um nougat que solidificou no garfo e se recusou a sair até levar com água a ferver em cima. Como até não sou azarada, o nougat pegou-se de tal modo ao negro do chamuscado prévio que, com o segundo, saiu o primeiro também. Queimei-me no braço com óleo e algumas vezes com os recipientes saídos do forno. Sim, tive que recorrer ao forno para poder jantar. Gastei todo o óleo da dona da casa (meia garrafa) - a repôr - e não consegui fritar uma perna de frango. O cheiro a fumo (e a nuvem) eram tais que, momentos antes de ligar o exaustor, pensei que a vizinha do lado, guardiã da casa, viesse aí de extintor em punho.

A somar a isto sou desastrada e impaciente. Uma coisa leva à outra num ciclo vicioso. Fico frustrada pelo quão desligada sou. O fogão, por exemplo, não faz qualquer barulho. Receio vir a esquecer-me que está ligado / de desligá-lo.

A segunda conclusão é a de que jantar sozinho (quem sabe viver sozinho) não tem tanta piada quanto promete. Meter a mesa para um e jantar de olhos postos nas flores do jardim da vizinha não é libertador. É deprimente. E se o computador (a música!) estiver noutro andar, o silêncio abate-se sobre tudo e a sensação de isolamento é inquietante.

Não estou desesperada nem nada que se pareça, mas parece-me importante salientá-lo.

Por isso, meus meninos, por hoje largem o PC e vão comer com os pais.
A mãe finalmente acertou na receita de frango com mel e amêndoas.

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