sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Carta aos meus filhos #6

Hallo,

Hoje foi o segundo dia da aventura Hamburguesca da mãe.
Tudo começou com a devida pesquisa acerca dos locais onde tinha de ir. Assinalei-os devidamente no mapa, sem grande noção de distâncias. Tanto o Burgeramdt (escritório de apoio a estrangeiros onde vou pedir o nº de contribuinte alemão) e o Consulado Português ficam nas margens do lago Alster – suposto ex-libris do turismo em Hamburgo.
Então como correu o dia, hoje?
Acordei antes das 09:00, ignorei o despertador e pesquisei pelas moradas dos locais/saídas do metro, etc., no computador. Nota mental para comprar um tapete para o rato. Comi uma tigela de cereais (a olhar para as flores da vizinha). Arrumei a cozinha. Fiz uma nota mental para comprar sacos do lixo. Tomei banho. Arrumei o wc. Vesti-me e, depois, sentei-me para calçar as botas (pensando eu que o cinzento lá fora não anunciava nenhum calor). Conforme me sento no quarto a calçar as botas oiço um barulho vindo do escritório. Deste onde estou agora a escrever-vos. Uma espécie de televisão ligada com uma mocinha a falar em alemão. Foi tão óbvio que o barulho vinha daqui que vim ver do que se tratava. O som eclipsou-se antes de poder olhar cá para dentro. Nem televisão, nem rádio, nem despertador. Os cabelinhos do pescoço assanharam-se-me, mesmo porque vi que, no sótão, há duas máscaras de gesso de dois rostos. Podiam ser uma antevisão de uma máscara veneziana, mas estas nunca passaram de dois moldes de gesso e não gostei de as ver ali, bem como não gosto do palhaço de madeira em forma de sombra sobre a minha cabeça e para lá da cortina, enquanto durmo. Também a língua alemã e o passado do país me causam melindres, pelo que tive de afastar tudo isto das ideias para continuar a fazer a minha vida. Voltei ao andar de baixo, pousei tudo na cómoda da entrada e dei-lhe as costas para me ver ao espelho na casa de banho de apoio. Oiço cair o batom da Eucerin (comprado em Almada Velha mas importado de Hamburgo!). Pelo barulho seco soube que só podia ter sido ele a cair da cómoda. Baixei-me para o procurar sob a cómoda com o ruído da queda ainda a ecoar no vestíbulo. Não o vi. Agora sim, se não estivesse adiante, atrás da porta, teria fugido a correr. Lá estava ele. Na casa de banho de serviço descobri que tinha uma unha falhada e que a lima estava no andar de cima, de onde eu tanto queria fugir. Pensei «quando voltar a casa vou lá», mas depois obriguei-me a vir e pareceu-me tudo inquietantemente normal.
Saí de casa duas horas depois de ter acordado. A brincadeira de comer-limpar a cozinha, tomar banho-limpar o wc, dormir-fazer a cama, atrasou-me em mais de uma hora.
Assim sendo lá apanhei o metro para Steinstrasse e rezei para dar com o escritório de estrangeiros. Dei várias voltas ao bloco, inclusive paguei 2,00€ por um café expresso, suei e doeram-me os pés até descobrir que tinha saído do metro no sítio exacto onde era o escritório. Era só atravessar a estrada. Perdendo cerca de uma hora perdida, cheguei lá às 13:00 apenas para descobrir que fechara às 12:00. Damn you, sexta-feira na Alemanha! Fecha tudo mais cedo. Sentei-me e choraminguei um bocadinho antes de continuar o meu caminho para Jungsfernstieg, a estação central. Pelo caminho pus-me a ouvir Scorpions e animaram-me bastante. Tanto que tirei a Canon da mala e lá fiz de turista. Perante uma ponte com dois homenzinhos que, ao longe, me pareceram extremamente familiares, pus-me a rir. Encaminhei-me para lá apenas para descobrir que, à esquerda, temos o Colombo e à direita – fiquei sem fôlego – o meu rico Vasco da Gama.
Metro é U-bahn, e esta saída funciona para o Consulado e para a rua onde trabalho. Dei um pulinho a essa rua e depois fui ao Consulado. Ver a bandeira de Portugal fez-me sentir, por momentos, menos perdida. Subi ao primeiro andar às 14:00, uma hora depois de ter fechado. Desta vez não choraminguei; sorri.
Não há muita gente a saber falar Inglês por isso, depois de dar quatro ou cinco voltas à praça onde é o Parlamento, enfiei-me num centro comercial para comer qualquer coisa. Como a cidade não é direcionada a estrangeiros, as ementas estão todas em alemão. Não são os preços que assustam, são aquelas palavras com “ch”, “zein”, “k” que assustam. Por isso refugiei-me numa montra de Pasta e sou cumprimentada com um “ciao”. O moreno sorridente tinha de ser do Sul da Europa. Digo-lhe, em Inglês, que não falo Alemão. Ele pergunta-me se falo Italiano e quase me atiro ao chão de alívio. Pomo-nos a falar em Italiano e, enquanto como macarrão à bolonhesa, ele conta-me que é da Sicília e que há vinte e cinco anos que mora aqui com a família. Chama ladrões aos governos e pergunta o que é que aquela gente faz com o dinheiro que rouba, visto que bastava roubarem metade para já viverem o mesmo género de vida. Diz que sente falta da família, da comida – o que é que vocês comem em Portugal? Portugal é um país lindísimo, da língua dele e, sobretudo, do sol. Diz-me que vivemos em bons países com más pessoas, e é por isso que ele não vai voltar a Itália. No final, os três sicilianos – entre os 30 e os 50 anos – juntam-se ao balcão para me dizer adeus. Com educação, e sem maldade, o senhor mais velho diz-me, quando me despeço, “sei molto bella”. Quis ter um bocadinho mais de forças, hoje, para lhe responder “non, sono è molto brava”. Disse-lhes foi que, graças a eles e ao Italiano, me senti finalmente em casa desde que cheguei. Como ficam a uma caminhada de 5 minutos a partir do meu trabalho, penso que vá lá almoçar com frequência.

Voltei para casa exausta, a dormir no metro. Cheguei a casa e devia sair para ir tratar das coisas que preciso – entre elas o raio de uns ténis porque fiquei com os pés num oito. Ao invés, vou dormir e curar as costas até que seja hora de fazer o jantar.

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